sexta-feira, 25 de janeiro de 2013


                                      photo by Domenico Trocino 

No meu tempo não era assim...
                                               por Cíntia Moreira

As coisas são muito diferentes de quando estudei, lá pelos idos dos anos 80, no que antes chamávamos de primeiro grau. Exatamente por isso, frases como "no meu tempo não era assim" não funcionam, pois não era mesmo. Não tínhamos internet, nem celular. Os destinos das excursões da escola eram quatro: Zoológico, Piraquama, Planetário e Playcenter. Muitos colegas não foram pra faculdade, sequer terminaram o colegial (agora ensino médio). Professor ainda colocava de castigo olhando pra lousa e todo mundo tinha medo do livro negro que ficava na diretoria, aliás, sempre que alguém era convocado para a diretoria havia um i,i,i,i, ritmado proferido em coro pelo resto da sala. Aprendi muito não nego, me lembro do nome de todos os professores que tive, alguns ainda deixam marcas, para o bem e para o mal. 
Curiosamente não escolhi fazer magistério, essa escolha foi de minha mãe, que voltou com o comprovante de matrícula afirmando que assim, mesmo que eu não conseguisse fazer a faculdade, teria uma profissão. Eu fiz bico, fiquei desolada porque queria ser decoradora, arqueóloga, psicóloga mas nunca, professora. Não tive escolha. O primeiro ano de magistério eu repeti. Não me encaixava na proposta, na turma, em meu corpo.
Trabalhei anos com educação informal, repetindo a mim mesma "não sou professora", em um ato rebelde contra a decisão da minha mãe. Gostava de sentar-me no chão com as crianças e adolescentes com os quais trabalhei, ouvia, dava broncas, compartilhava, ensinava, contava histórias. Estudei arte-educação. Fui convidada para educação formal várias vezes, mas foi em  2006 que aceitei o convite da professora Ana Abreu para trabalhar com ela. Achei que era hora de enfrentar o desafio. E foi trabalhando com a Ana que descobri que o problema nunca havia sido ser professora, mas o modelo de escola que temos. Fui aprendendo que a escola não é um prédio, mas uma instituição que construímos, que deve ser um projeto coletivo, que o aluno é o princípio e o fim, que aprendizagem é um processo e que o profissional tem que ser valorizado e respeitado. 
Toda minha trajetória foi construída assim, passo a passo ao longo de 22 anos , e foi aos poucos que eu percebi o quanto gosto de trabalhar com educação. Já quis desistir por me sentir solitária, porque o que era "do meu tempo" não serve mais, o tempo todo preciso perguntar, responder, aprender e trilhar novos rumos, os adolescentes são outros, as questões são outras, a escola precisa ser outra. A mobilização e o estudo coletivo na área da educação é quase um trabalho de Hércules. Estamos todos em lutas diárias, solitárias, caindo e levantando, matando leões por dia e não conseguimos tratar nossa profissão profissionalmente. Há sempre a passionalidade na ordem do dia, a intriga, o desânimo. Sempre gostei de ler e de estudar, sou curiosa e quero saber das coisas, então essa solidão compartilhada no magistério me incomodava profundamente. Quando a mesma Ana, que me fez perceber que o problema era o modelo de escola, e não a educação, o grande X da questão, me convidou para participar de um movimento para discutir qualidade de educação e  a formação do educador não pensei duas vezes. No MovE reafirmo minha crença na educação e conquisto um espaço democrático de troca de olhares e experiências e a possibilidade de vivenciar um trabalho efetivamente colaborativo!

Cíntia Moreira é arte-educadora da rede estadual de ensino, especialista em arteterapia
 e contadora de histórias. 

2 comentários:

  1. Cintia,
    É muito bom olharmos para trás e validarmos a nossa história, pois ela revela quem somos hoje e nos ajuda a projetar o que queremos conquistar e construir. Saber um pouco da sua história é muito bom!
    Hoje, vivemos em um mundo em que falta respeito, dedicação, empatia... e concordo com você, que em nosso meio profissional, alguns se sentem grandes, são menores que uma formiga...
    Por isso sinto que a profissão é nobre. É um convite a sermos cada vez mais profissionais, sábios e colaboradores.
    Beijos e parabéns pelo texto!
    Amabllin

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  2. Cintia, fico feliz com sua autoria, fico feliz em fazer parte de um grupo com você.... somos fortes e juntos podemos muito....MOVE....MOVE-SE... uma luta honrada!!!!! Parabéns pelo texto!!!!!

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